Marisqueira: profissão repassada para gerações

Mesmo com as dificuldades, mães e pais ensinam para seus filhos o ofício que em geral é a principal fonte de renda deles

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Os manguezais são produtivos e economicamente importantes (Foto: Honório Moreira/ O Imparcial)

Eram dez horas da manhã. De pés descalços e parca proteção contra o sol, elas se dirigiam ao Cumbique, em Mocajituba (Paço do Lumiar), para pescar e tirar aquilo que vai servir de sustento para a família. Mulheres, crianças… animadas, sorridentes, dispostas. Embora sob sol forte, o trabalho pesado não desanima essas mulheres. Tudo o que não se pode falar é que sejam preguiçosas. “Com esse trabalho, criei meus filhos e ainda ajudei outras a começarem a trabalhar também. Hoje, os meus filhos também tiram o sustento daqui. É o nosso meio de viver. É graças a isso que podemos nos sustentar”, diz a marisqueira Rosinete Silva dos Santos, 47 anos, e mãe de 4 filhos de 29, 22, 17 e 19 anos. Todos criados com a renda dos mariscos.
“Eu comecei a trabalhar com 15 anos. Eu que quis. Via a minha madrinha e quis também trabalhar com isso. É um trabalho pesado? É. Sou cheia de dores, de marcas da lida, mas é como a gente se sustenta”, garante Rosinete. Assim como ela, outras também fazem esse trabalho manualmente na extração de marisco.
Enquanto ela conversa comigo, uma das filhas de Rosinete, Rosenilde, mãe de 2 filhos, chega para completar que ela também começou a trabalhar muito cedo. E como ela acompanhava a mãe quando era criança, também os filhos a acompanham agora. “Tem que aprender desde cedo. Quando não estão na escola, eles vão comigo. Também porque é melhor estarem comigo do que sozinhos”, conta.
Algumas mulheres vivem exclusivamente da cata do marisco e outros moluscos (Foto: Honório Moreira/ O Imparcial)

Depois vem chegando Francinete Nascimento, 38 anos. Ela ajeita o cabelo debaixo do boné, pega o cesto e já vai saindo. “Comecei aqui com 12 anos e foi a minha madrinha Rosinete que me ensinou tudo”, conta. Mãe de 4 filhos também, de 22, 19, 17 e 15, ela diz que tudo que tem é graças ao trabalho.
A outra marisqueira, Patrícia Nascimento, diz que se criou vendo as mulheres da família. Aos 12 anos, estudava e nas horas vagas trabalhava. Quando terminou o ensino médio, passou a se dedicar ao ofício. “Vida de pobre é ruim (brinca). E um trabalho difícil, mas antes ter um trabalho suado do que ter um roubado”, garante.
E todos os dias isso se repete.O horário do trabalho depende da maré. Cuidado com a pele, a vaidade que as mulheres têm, ali, naquele momento, é invisível. “Depois, a gente se cuida. Nosso trabalho é esse. Então, quanto mais as roupas forem leves, melhor”, diz Patrícia.
No mesmo lugarejo, chamado Pedrinhas de Mocajituba, a maioria das mulheres vive da pesca do marisco, assim como na comunidade Cotovelo, dentre outras. Para o trabalho elas geralmente saem em grupos de quatro ou cinco por canoa. Só voltam quando os cestos e baldes estão cheios. A partir daí vão tratar (limpar), cozinhar, embalar, pesar e vender o produto. Costumam receber em média, por semana, 200 reais. “É pouco pelo trabalho que a gente tem, mas pelo menos a gente está ganhando”, comenta Rosenilde.
Para viver e trabalhar
Os manguezais são regiões altamente produtivas e economicamente importantes para as populações que vivem em suas proximidades. A comunidade de Mocajituba, é uma extensa área de manguezal com abundância de recursos. Nessa comunidade pesqueira homens e mulheres, em sua maioria vivem da pesca de caranguejo, peixes, sarnambi, sururu e camarão, tanto para consumo próprio, quanto para e venda.
As mulheres se destacam devido à cata do marisco, pois conhecem o mangue e os horários que enche a maré, aprendendo e conhecendo na prática a vida marinha. Algumas mulheres, como essas que citamos acima, vivem exclusivamente da cata do marisco e outros moluscos. Algo que historicamente foi sendo perpetuado porque seus companheiros ou maridos iam pescar e elas iam junto para ajudar no trabalho.
Na comunidade de Mocajituba encontramos famílias inteiras que vivem só da pesca, visto que o município de Paço do Lumiar é cercado de rios e cursos d’águas, muitos com influência das marés, ocorrendo a presença dos mangues, fontes de renda para parte de sua população, através do extrativismo.
“Eu amo isso aqui”
Iranilde Félix da Silva (Foto: Honório Moreira/ O Imparcial)

Ao falar sobre o mar de Mocajituba e o sobre o trabalho que lá ela realizou profissionalmente até os 55 anos, dona Iranilde Félix da Silva, 60 anos completados no dia desta entrevista, ainda sente a emoção de ser uma marisqueira. A encontramos junto de parte da família limpando sururu.
Hoje ela está aposentada, mas aos 60 anos ela ainda vai ao mar catar mariscos, coisa que aprendeu quando tinha 10 anos. Os pais saíam pra pescar e ela ia junto. Desde cedo aprendeu muita coisa, inclusive que a vida não é fácil.
“Não é fácil mesmo, minha filha. Sinto dores em todas as partes do corpo, tenho cicatrizes e marcas do sol, mas é uma coisa que, como eu posso dizer? Eu amo. Eu amo o mar, amo tratar os mariscos. Amo tudo. E isso é um paraíso”, ela fala apontando para o mar de onde sempre tirou o sustento. E o local, fica no quintal da casa dela, é o Porto da Salina. Basta descer pouco mais de 50 metros, já se chega ao seu antigo local de trabalho, hoje de lazer.
“Só faço hoje mesmo por prazer. Porque gosto”, afirma, para logo em seguida lamentar que dos 4 filhos que teve, apenas um é pescador profissional, assim como ela e o esposo eram. Ao contrário da família de dona Rosinete, a profissão de marisqueira pode ficar apenas no lazer. “A vida tá moderna né? Os tempos são outros, tem outras oportunidades, aí eles não querem mais. Só meu filho mesmo que já está até querendo largar. Os outros fazem mesmo só para ajudar, mas não tem aquilo como atividade principal como eu tinha. Daí não sei quem vai dar continuidade a isso quando eu morrer”.
Do trabalho que sempre fez, a única coisa que não gostava era de cozinhar o sururu. Nem tanto de tirar, porque quando criança tirava até caranguejo. “O calor do fogo, a fervura, isso é ruim, faz mal, prejudica. Mas é isso, eu nunca nem pensei que ia chegar aos 60 e estou aqui, viva, saudável e feliz. Agora quero viver outros sessenta”, comemora.
A “lida” diária da marisqueira
O trabalho é árduo. As marisqueiras levam uma manhã toda para catar dois sacos referentes de estopa de cebola, de 10kg. Ao retornarem, maridos ou filhos e demais pessoas da família ajudam a carregar os sacos ou cestos. Ao chegarem em casa o processo continua na limpeza e fervura da água para a colocada dos mariscos. Um método usado de forma tradicional é a fervura em fogaréu. Segundo as marisqueiras, quando o fogo “abre” fervura de uma vez, osmoluscos ficam mais firmes e bonitos.
Há os períodos em que eles estão mais “gordos” como elas costumam falar. Às vezes, dois sacos rendem pouco. “De um dia para outros, eles ‘quebram’ (ficam magros), ninguém entende essa ciência”, comenta dona Iranilde Félix sobre o sururu
 
 

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